A Associação de Atletismo da Região Autónoma da Madeira (AARAM) tem vindo, ao longo dos anos, a apostar na dinamização do trail running no arquipélago. Além do muito competitivo circuito regional, a AARAM organiza o Porto Santo Nature Trail e o Ultra Madeira. Para conhecer melhor estes 2 eventos, a Trail-Running.pt entrevistou Nélio Parreira, vice-presidente da AARAM com o pelouro dos eventos de natureza e director de prova de ambos os eventos.
Ouvir falar da ilha de Porto Santo remete-nos imediatamente para a ideia de praia. O que é que os inscritos na prova deverão ter em conta num evento a decorrer neste tipo de terreno?
Efetivamente o Porto Santo está imensamente conotado com a sua icónica praia (que é fantástica), mas na verdade a praia é apenas uma pequenina parte daquilo que o Porto Santo tem para oferecer, pois o património natural da ilha é muito rico e diversificado, sobretudo se considerarmos o quão pequena e mesma é.
Os inscritos no Porto Santo Nature Trail deverão contar com uma prova extremamente diversificada, no que diz respeito aos tipos de terreno/piso que vão encontrar, que vão desde o início na praia, passando por estradões de terra batida, prados, terreno pedregoso, cristas rochosas, e até zonas de floresta. As dimensões dos trilhos também são muito variáveis, podendo-se passar de vias amplas para single tracks muito rapidamente.
Outra ideia pré-concebida sobre o Porto Santo, é a de que é uma ilha relativamente plana, e na verdade não o é. Se na zona costeira da vertente sul da ilha o relevo é essencialmente baixo, no interior e norte da ilha, existem zonas com declives acentuados, e trilhos mais técnicos, que colocarão os atletas à prova, sobretudo no que diz respeito á sua gestão de esforço; mas tudo isto é compensado pelas arrebatadoras paisagens que vão surgindo e mudando constantemente à medida que os atletas vão evoluindo no percurso.
Com o que é que os atletas vão poder contar na 10.ª edição do Porto Santo Nature Trail e o que é que distingue o mesmo dos demais?
Os atletas presentes na 10ª edição do Porto Santo Nature Trail poderão contar com um percurso bonito, mas desafiante, que seguramente agradará a todos aqueles que nele se aventurarem, bem como o clima ameno e agradável que carateriza o Porto Santo.
Quanto ao que distingue esta prova das demais, só o facto de se realizar nesta magnífica ilha, já faz dela algo de completamente diferente de tudo o resto; mas alguns dos fatores que a diferenciam das demais, são por exemplo os primeiros 5km percorridos no areal da praia, e a meta a menos de 200 metros da mesma praia, que permite ao atleta um revigorante mergulho após concluir a sua prova. Os tipos de terreno e as paisagens sempre a mudar, quase a cada curva, também constituem uma das particularidades desta prova; mas temos ainda o facto de o percurso da prova de 45km atravessar um campo de golfe, e uma antiga pedreira onde se podem observar disjunções prismáticas perfeitas. No geral toda a envolvência da prova é particular e não deixará indiferente quem nela participar.Haverá alguma alteração no percurso comparativamente aos anos anteriores?
As principais alterações ao percurso foram já incluídas na edição do ano passado, com a retirada de algumas passagens em estrada, o prolongamento de percurso em algumas zonas, de forma a torná-lo mais cénico, e a principal alteração foi a inclusão da passagem pelo Pico Branco, que é o segundo mais alto da ilha com cerca de 450m de altitude, sendo um dos mais emblemáticos e talvez o mais bonito de todos os picos porto-santenses.
Apesar das alterações referidas acima, e de este ano não estarem previstas revisões de percurso, podem sempre existir alterações seja por impossibilidade de se passar em determinado local, devido a ocorrências naturais ou outros, ou por se encontrar eventualmente uma alternativa mais interessante em determinado ponto do percurso.
O que motivou a alteração de calendário?
A data do evento passa do primeiro fim de semana de Março, para o penúltimo de Maio, e isto deve-se ao facto de o evento ter crescido consideravelmente nos últimos anos, e com esse crescimento surgiu um problema de disponibilidade de alojamento, visto que algumas unidades hoteleiras encerram durante o Inverno/época baixa, reduzindo a oferta de alojamento disponível; a outra razão é o facto de querermos atrair atletas estrangeiros para o evento, e devido ao inverno mais rigoroso na maior parte da Europa (principal público alvo), os atletas não têm possibilidade de se preparar, e como tal não participam.Em quanto tempo se prevê que os primeiros atletas, das diferentes distâncias, possam concluir o percurso?
Podemos ter como referência para tempos finais das diversas distâncias, os tempos realizados pelos vencedores da última edição, que foram por volta das 4h36m nos 45km, 2h10m nos 23km, e 35min nos 8km, no entanto nas duas principais os vencedores tiveram vitórias relativamente folgadas, pelo que será expectável que com um nível de competição mais elevado, e em condições meteorológicas ideais, estes tempos possam ser reduzidos consideravelmente.
Descreva-nos toda a logística necessária para organizar um evento desta dimensão numa zona remota. Quais são as principais dificuldades?
O facto de a prova ser organizada noutra ilha, implica deslocarmos quase tudo para lá; na prática apenas as partes burocráticas da organização e o check-in são feitos na Madeira, tudo o resto tem de ser deslocado, o que inclui os meios humanos (que são muitos), os veículos de apoio, o material/ferramentas para limpeza e melhoramento dos trilhos, a sinalética de marcação de percurso e os víveres a serem distribuídos nos abastecimentos, pois nem sempre encontramos tudo o que precisamos, e se encontramos podem não existir nas quantidades necessárias.
Encontrar um local suficientemente amplo para o convívio final e entrega de prémios é outra dificuldade com que nos deparamos. No ano passado, o convívio não se realizou devido à situação sanitária, mas este ano esperamos já poder voltar a organizar.
Todos estes factores contribuem para o encarecimento da produção do evento, o que obriga da nossa parte a uma ginástica financeira extra, até porque não podemos subir demasiado o preço das inscrições de forma a manter o evento atrativo para os atletas.
Um outro constrangimento, não tanto no plano logístico directamente relacionado com a organização, mas que de certa forma condiciona a expansão do evento, é a inexistência de voos diretos a partir do território continental, o que obriga os participantes de fora da região a deslocar-se para o Funchal por via aérea, e depois para o Porto Santo por via marítima ou via aérea.Deixando agora o Porto Santo e rumando de volta à Madeira, quais são as novidades preparadas para a 6.ª edição do Ultra-Madeira?
Para esta 6ª edição da Ultra Madeira e principal novidade é a introdução de uma nova prova ultra de 50km com início sensivelmente no centro da ilha, na zona da Encumeada, seguindo a partir daí o percurso da prova principal, passando assim o evento a contar com duas distâncias ultra, uma de 83km e outra de 50km. Além desta nova distância, prevemos fazer algumas pequenas alterações ao percurso, de forma a torná-lo ainda mais atractivo, e também para retirar algumas zonas em que a prova se corre em estrada.
Devido a insistentes sugestões dos participantes, vamos também fazer alterações nos horários de partida das diversas provas, passando a prova principal a partir às 02h00, a de 50km às 06h00, a de 15km às 09h00 e por fim a de 30km às 10h00. Foi efectuada uma troca na ordem de partida das provas de 15km e 30km por forma a que os atletas da corrida mais curta acabem a sua prova antes da chegada dos primeiros da prova principal, e assim exista uma boa moldura humana na zona de meta para receber os vencedores dos 83km.
Tendo em conta a dureza da prova, o que é que considera indispensável que o atleta deva levar e em que locais será permitido o apoio externo?
A Ultra Madeira, na realidade não é uma prova muito dura, pois o conceito da prova é atravessar a ilha de Oeste para Este, seguindo o caminho mais curto, fácil e directo possível, no entanto o segundo terço da prova tem alguma tecnicidade, e dureza, pois atravessa a região do maciço montanhoso central, e nesta parte do percurso os atletas estão sempre acima dos 1.000m de altitude, o que em caso de condições meteorológicas adversas (demasiado frio ou demasiado calor) pode apresentar problemas ao atleta.
Em relação àquilo que acho indispensável aos atletas de se fazerem acompanhar, sem dúvida que o casaco impermeável será o principal, mas também recomendo vivamente que os atletas encham sempre o reservatório da água, pois em algumas zonas o calor pode surpreender; para quem não está muito habituado a subidas e descidas mais técnicas, em algumas zonas os bastões podem ser úteis. Além do referido, no regulamento existe uma lista com o material obrigatório em cada prova, que o atleta deverá consultar e respeitar.
Quais os aspectos a destacar nas diversas distâncias?
A prova principal de 83km, faz a travessia da ilha desde o ponto mais ocidental da ilha, na Ponta do Pargo até à localidade mais oriental da mesma, no Caniçal; passando por locais emblemáticos, como a Fonte do Bispo, a Bica da Cana, a Encumeada, o Pico Ruivo e Pico do Arieiro (pico mais alto e terceiro mais alto respetivamente), e ainda pelo Poiso, Portela e Boca do Risco.
A prova de 50km, surgiu para colmatar um vazio muito grande entre os 30km e os 83km, onde existe um público interessado muito grande, e para quem os 30km é pouco, mas os 83, já é demasiado. Esta prova só por ser estreante este ano já é um destaque.
Os 30km são uma prova que se disputa inteiramente dentro do concelho de Machico, partindo da freguesia do Porto da Cruz, na costa norte e chegando à freguesia do Caniçal na costa sul, tendo na parte inicial uma subida a impor algum respeito, com os seus cerca de 1200m de desnível positivo, e depois continuando por uma zona mais rápida, sobretudo com descidas e zonas planas, bem ao jeito dos atletas com andamentos mais rápidos e rolantes.
Para os 15km podemos empregar a famosa expressão do “Sair a matar e chegar a morrer”, pois é seguramente a mais rápida de todas provas deste evento, com partida na localidade da Portela, e tendo nos primeiros 7,5km essencialmente zonas planas e muito rápidas, seguindo-se depois uma descida rápida e logo de seguida uma subida que normalmente faz seleção de quem ganha ou não, para depois seguir por uma sequência de descidas e pequenas subidas muito rápidas, antes da descida final até quase ao nível do mar onde se encontra a meta.
No segundo dia de competição, temos ainda um mini trail, com a distância de 8km, pensado para os mais novos, mas também para quem quer começar a “dar os primeiros passos” no trail, tendo a partida em Machico, e seguindo por uma primeira parte algo técnica mas ainda assim acessível, e depois uma zona mais rolante e rápida.
Um ponto comum a todas as provas, são as belas vistas que se tem ao longo dos percursos, das diversificadas paisagens madeirenses.
Qual o número de participantes que se estimam para a inscrição do Ultra-Madeira?
Estamos convictos que nesta edição, e fruto da promoção que temos feito do evento, possamos ter um crescimento importante no número de inscritos, que infelizmente devido à situação pandémica dos últimos dois anos ainda não se verificou. Em 2019 tínhamos bons indicadores de que a aceitação pelo público estrangeiro estava a aumentar, e no ano passado na promoção feita no exterior ficamos novamente com a sensação de que muita gente já conhece o nosso evento e está interessada em participar. Também os atletas de fora que já cá vieram fazer uma das provas, levam boas impressões e prometem passar a palavra entre os conhecidos, pelo que julgamos, que não será de todo descabido esperar alcançar os 1.000 inscritos no total das 5 provas.Tendo em conta o impacto do Ultra Madeira na hotelaria e restauração local, como reagem os residentes da ilha ao evento?
É um facto que este evento, bem como outros do género, têm um impacto muito positivo em diversos sectores da atividade económica da ilha, e isso vê-se na forma como temos conseguido mais colaborações/parcerias associadas à organização do evento, e aqueles que colaboram reconhecem o impacto positivo do mesmo; no entanto o boa parte do público não familiarizado com o desporto, ainda passa um pouco ao lado da importância deste e outros eventos deste género; mas cremos que essa situação está a mudar e no futuro teremos mais gente a olhar para a Ultra Madeira como uma grande mais valia para a ilha.
Por fim, diga aos nossos leitores porque é que se devem inscrever no UM e o que é que podem esperar.
Inscrever-se na Ultra Madeira, é o primeiro passo para quem quer concretizar o sonho ou desafio de atravessar a ilha da Madeira numa só etapa. O traçado que segue o caminho mais fácil e direto em direção a Leste, permite à mais pessoas de concluir este desafio, sem no entanto, deixar de percorrer alguns dos locais mais cénicos da ilha que oferecem paisagens impressionantes.
Todos os atletas que se inscrevam na Ultra Madeira, podem esperar uma prova desafiante, mas que ao mesmo tempo lhes dará uma sensação de satisfação após a concluírem. Alem de tudo isto, a Ultra Madeira poderá ser uma boa oportunidade para uma semana de férias na Madeira, numa altura do ano em que o tempo ainda é bastante agradável, mas por ser já época baixa, permite encontrar alojamentos e voos a preços mais acessíveis.
Fotos: 1) João M.Faria; 2,3) C.M. Porto Santo; 4) Alexander Vasev; 5) Paulo Abreu; 6) João M.Faria